quarta-feira, 30 de julho de 2008

Crônica 1





Quase inexorável


Infância é um brinquedo usado,
que um dia a vida resolve
tomar um pouco emprestado
e nunca mais nos devolve.

(Arlindo Tadeu Hagen)




“- Você já pensou na inexorabilidade (1) do tempo?”


A pergunta partiu de um senhor, sentado ao meu lado no banco do trem, que acabara de parar na estação Moóca. Meio desconcertado, ponderei o porque do questionamento.

O homem fez um breve silêncio e, olhando para fora, apontou para a estação e comentou que ao ser inaugurada, a estação da Moóca era um primor: toda decorada com pastilhas, sem as grades e pichações que a descaracterizavam agora. Para ele, o local que era orgulho dos políticos da época, estava abandonado e ele se entristecia ao ver que o tempo a tudo deteriorava e consumia implacavelmente, sem que nada se pudesse fazer.

Para tentar suavizar sua amargura, argumentei que o tempo, embora implacável com a estação da Moóca, trouxera moderníssimas estações de metrô e, mais recentemente, reformara completamente a Estação da Luz, para transformá-la num centro cultural de primeiro mundo (o Museu da Língua Portuguesa), sem descaracterizar a concepção original, sendo provável que isso, um dia, pudesse ocorrer com a estação da Moóca.

“– Talvez!” Disse isso e desceu no Brás. Eu, na Luz.

Naquele mesmo dia, minha filha, entediada com o computador, me propôs brincarmos de adivinhas, como tantas vezes eu brincara com minha mãe, tempos atrás...

E, assim, trazendo de volta o meu passado, de adivinha em adivinha e de risada em risada, até adormecer, minha filha me ensinou que o tempo, embora pareça inexorável, é relativo, como já teorizava Einstein.

Mesmo na singeleza de um “o que é, o que é...”

(1) Qualidade do que é implacável, rígido, inexorável


Foto: Estação da Moóca - acervo Thomas Correa.

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