sábado, 29 de maio de 2010

Análise de... análise.

(Fernando Pessoa - reprodução)


Na sexta-feira, fiz uma prova de Literatura Portuguesa na faculdade, que versou, basicamente, em analisar (amplamente) o poema "Análise", de Fernando Pessoa. O título postado é exatamente o que coloquei na prova. Escrevi bastante (4 folhas!). A maior parte do texto que escrevi consistiu em aplicar conceitos apreendidos em textos teóricos que abordam a obra de Pessoa, como um todo, a partir de referência de textos do próprio poeta, como o Livro de Desassossego, por exemplo. Isso nem cabe nesse blog comentar. Importante é falar um pouquinho sobre um dos tesouros que todo poeta costuma buscar no final do arco-íris das palavras: o fecho de ouro. Basicamente, o fecho de ouro é o verso que finaliza um poema, seja ele rimado, metrificado, ou não... Um verso final deve conter, em si, todo o poema: confirmar as ideias dispostas, surpreender o interlocutor, negar tudo que foi dito, enfim, dizer ou mostrar algo que faça todo o poema valer a pena, valorizá-lo. Pois bem, o poema abaixo tem tudo isso... duas vezes. Dois fechos de ouro! Quando percebi isso, ao lê-lo, posto que já o conhecia, de passagem, apressadamente, abri um sorriso de orelha a orelha. Acho que os colegas de turma, se é que perceberam isso, ficaram intrigados: "O Sérgio está precisando de férias, com urgência!" A prova não era simples.

Sabe porque percebi isso? Porque contei os versos,... são quinze. Soneto tem quatorze! Pensei: "Vou contar outra vez. Quinze! Pérai! Quatorze estão em versos de 10 sílabas poéticas, igual aos sonetos clássicos. O último, décimo-quinto, está em versos alexandrinos... 12 sílabas. Porque será? Leio o poema novamente e percebo que se a leitura fosse interrompida no décimo-quarto verso, o sentido não seria prejudicado e o último verso seria um bom fecho de ouro. Leio o último verso... e ele também fecha magistralmente o poema todo.

Pessoa é um desses casos únicos em literatura. Passe sua vida inteira lendo o que ele escreveu e terá uma surpresa a cada vez que o fizer... mesmo em uma prova de Literatura Portuguesa das mais difíceis.


ANÁLISE


Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.


FERNANDO PESSOA

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