Domingo passado fui, pela primeira vez nesta edição, à 29º Bienal de Arte de São Paulo. Tenho feito isso desde 1984 e costumo fazer duas ou três visitas em cada edição. Já virou um hábito. Ao longo dos anos, vi muitas obras interessantíssimas, frutos da criatividade, do talento, do protesto, e de tudo o que motiva os espíritos indomáveis dos artistas. Procuro não interpretar o que vejo, porque os sentidos se perdem em meio a tantas obras (na casa das centenas). Todo ano, no entanto, a mídia chama a atenção para alguma ou algumas obras específicas. Esse ano não foi diferente: a série Inimigos, do Gil Vicente e Bandeira Branca, de Nuno Ramos, são as vedetes. Na primeira, o artista faz autorretratos em que se apresenta apontando armas para personalidades da política, como a da foto abaixo...
O autor, como algoz de Mahmoud Ahmadinejad (Presidente do Irã) |
Na segunda, Nuno Ramos trouxe urubus de cabeça amarela, do nordeste do país e deixou-os "livres" sobre estruturas de metal, dispostas no vão livre do pavilhão. Ambas as obras intrigam: a primeira, porque o artista externa o que parece ser o resultado de uma fúria coletiva, apontando armas para aqueles que personificam algum tipo de opressão ou ideologia perversa; na segunda, por estarmos acostumados a ver urubus em São Paulo, próximos a áreas verdes, rios poluídos, lixões, etc., mas, não para vê-los em um espaço restrito, por mais amplo que seja. A ligação que estabelecemos entre urubus e matéria em decomposição talvez seja o paralelo que o artista queira fazer entre um novo modelo de arte que propõe e aqueles conceitos que trazemos do senso comum. Será que, para ele, a arte, como conceito, é matéria morta? Talvez. Fiz alguns registros da obra Bandeira Branca e o que mais me agradou foi o da foto abaixo, em que os urubus aparentemente observam os visitantes.
Os urubus de cabeça amarela, do alto de sua estrutura, "urubuservando"... |
Os urubus voltaram, ontem, para seu habitat, uma reserva florestal. Ficaram o vão, a estrutura, a Bienal e uma sensação estranha, pelo menos em mim, que talvez seja o mote desse poema, um tríptico, que não é um Hai Cai:
VÃO
Vão, os urubus,
ao vão da Bienal...
em vão!
(Sérgio Ferreira da Silva)
Detalhe: o Dicionário Aurélio traz 16 sentidos diferentes para a palavra "vão". Gosto de explorar isso. Outra coisa: achei o Gil Vicente um pouco violento! Hehehe!
"Vais virar comida de urubu!" |
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