quarta-feira, 30 de julho de 2008

POESIA – PALAVRAS QUE DANÇAM


Um professor de dança de salão, certa vez, no primeiro dia de aula de uma nova turma, perguntou: “Alguém, aqui, sabe dançar?” Ninguém respondeu, claro! Depois, perguntou: “Alguém, aqui, sabe andar?” Todos responderam que sim... E ele concluiu: “Pois bem, pessoal,... dançar é andar... DIFERENTE!”

Observe os períodos seguintes:

I

Quando criança, eu brincava no quintal dos fundos de minha casa, fingindo ser fazendeiro.

II

Em minha infância eu fazia

ser, meu sonho, tão real,

que uma fazenda cabia

no fundo de meu quintal!

(Sérgio Ferreira da Silva)


O primeiro período é uma descrição simples de um fato ocorrido no passado do narrador, sem nenhum conteúdo emocional. No segundo, narra-se o mesmo fato, de uma forma específica (quatro linhas – versos -, duas rimas e métrica). Existem, ainda, elementos que não estão escritos, mas que estão presentes: a emoção, a beleza, a imaginação e os sentimentos de quem escreveu e de quem está lendo o texto.

A TROVA

O segundo texto é uma trova, que pode ser definida como “...a quadra de sentido completo, composta com versos de sete sons, ritmo livre e rimas cruzadas.” (Francisco Nogueira). Existem outras definições, mas esta é suficiente neste momento.

A trova, como a conhecemos hoje, tem sua origem próxima nas QUADRAS populares portuguesas, como a seguinte, que todos conhecemos:

Oh, Ciranda, Cirandinha,

vamos todos cirandar!

Vamos dar a meia-volta

volta e meia vamos dar!

Repare que, na quadra, ocorre a rima somente entre o 2° e o 4° verso: CIRANDAR rimando com DAR. Mas, a propósito, o que é RIMA?

A RIMA

Rima pode ser definida como a coincidência de sons finais entre as palavras. Os sons finais são aqueles obtidos pela emissão da última sílaba tônica (de som forte).

Por exemplo: CRIANÇA - ESPERANÇA // BOLA - ESCOLA // FOGO - JOGO // SELVA - RELVA // GATO - RATO // PÃO - CORAÇÃO.

Aqui, cabe uma pergunta: Pode haver poesia, sem rima? Observe o poema abaixo, de ZAÉ JÚNIOR:

O CAMINHO

Quando se encontra o caminho

basta continuar a descobrir a paisagem

que ele corta ao meio

e a pedra

e a poeira

e os espinhos

para que não sejam pisados.

Quando não se encontra o caminho

basta levantar as mãos

para que Deus as segure.

O efeito das palavras, o sentimento do texto, está expresso nas palavras escolhidas e no significado delas, que, geralmente, vai além daquele que encontramos nos dicionários. Na poesia livre, que é como chamamos este tipo de texto, embora não se use métrica (que é a quantidade de sons de cada verso), nem rima, os versos possuem uma sonoridade e um ritmo que podem variar, mas esta variação integra e reforça o sentido da poesia. O Texto “O CAMINHO”, compara os trechos difíceis que um terreno pode ter e os momentos difíceis que enfrentamos na vida, para dizer, no final, no que chamamos “CHAVE DE OURO”, da importância da FÉ, embora a palavra “fé” não apareça no texto.

Na poesia de Zaé Júnior, então, encontramos aqueles aspectos que mencionamos no início (emoção, beleza, imaginação e a própria conclusão do leitor que interpretou o texto).

POESIA PARA QUÊ?

Qual seria, então, a importância de escrever? Ou melhor, qual a importância de escrevermos Poesia?

Os escritores, os poetas e os bons leitores costumam ser revelados justamente na infância. Quanto mais cedo se começa a ler e a escrever, mais qualidade na nossa capacidade de entender o mundo e de nos fazermos entender pelos outros: melhor convivência e melhor desempenho profissional, afetivo, etc.

A poesia, como sabemos, é uma maneira diferente de dizer as coisas, independentemente de sua forma, ou extensão.

Quando conversamos com alguém, falamos ao telefone, nos dirigimos a um desconhecido, ou precisamos responder um questionário, ou entrevista de emprego, por exemplo, devemos empregar, em cada caso, uma linguagem própria, pela qual nos faremos entender.

Quando lemos um romance, sabemos da necessidade de longos trechos descritivos, para a exata compreensão de um sentimento, ou, mesmo de um lugar qualquer: cada detalhe, cada lágrima, ou sorriso, devem ser detalhados a tal ponto, que possam formar uma imagem exata, quase uma fotografia na mente de quem lê.

A POESIA É DIFERENTE...

Quando lemos um poema, ou quando ouvimos a declamação de um, além da forma (estética), e do fundo (assunto), somos chamados a refletir e a buscar, em nosso íntimo, um sentimento guardado na memória, fruto de nossa experiência pessoal, de nossa emoção... e, é por este motivo que um mesmo poema pode tocar diferentemente cada um daqueles que o lêem, como faz a música: cada um de nós, em geral, prefere um ritmo a outro e, dentro do mesmo ritmo, gosta de uma música e de outra não. Explica-se, também, assim, o fato de música e poesia andarem de mãos dadas.

RITMO E POESIA

Mais recentemente, o RAP (abreviação de rhythm and poetry), suprimindo, quase que totalmente, a base melódica, mas acentuando o beat (batida), bem como valendo-se de versos com rimas menos complexas e letras de forte apelo emocional, próximas da linguagem da juventude (gírias e diálogos rápidos), deu voz à periferia das grandes cidades de todo o mundo, às populações menos favorecidas e ocupou um espaço próprio no cenário cultural.

CONCLUINDO...

Assim, a poesia, com suas diversas formas, numa trajetória que acompanha e, às vezes, até antecipa a evolução humana, naquilo que diz respeito à expressão de seus sentimentos (amor, saudade, dor, perda, alegria, coragem, força, fé, etc.), sempre foi e será necessária no dia a dia de todos nós, como instrumento de cultura, de identidade, de transmissão de conceitos e valores. Afinal, em vez de dizer que o poeta, quando cria, expõe seus sentimentos,... talvez, uma trova... possa dizer mais:

Poeta é aquele que traz

o Sol e a Lua em seu peito,

despreza a razão e faz

do desvario... um direito!

(Sérgio Ferreira da Silva)


Agora, você já sabe DANÇAR!

Crônica 1





Quase inexorável


Infância é um brinquedo usado,
que um dia a vida resolve
tomar um pouco emprestado
e nunca mais nos devolve.

(Arlindo Tadeu Hagen)




“- Você já pensou na inexorabilidade (1) do tempo?”


A pergunta partiu de um senhor, sentado ao meu lado no banco do trem, que acabara de parar na estação Moóca. Meio desconcertado, ponderei o porque do questionamento.

O homem fez um breve silêncio e, olhando para fora, apontou para a estação e comentou que ao ser inaugurada, a estação da Moóca era um primor: toda decorada com pastilhas, sem as grades e pichações que a descaracterizavam agora. Para ele, o local que era orgulho dos políticos da época, estava abandonado e ele se entristecia ao ver que o tempo a tudo deteriorava e consumia implacavelmente, sem que nada se pudesse fazer.

Para tentar suavizar sua amargura, argumentei que o tempo, embora implacável com a estação da Moóca, trouxera moderníssimas estações de metrô e, mais recentemente, reformara completamente a Estação da Luz, para transformá-la num centro cultural de primeiro mundo (o Museu da Língua Portuguesa), sem descaracterizar a concepção original, sendo provável que isso, um dia, pudesse ocorrer com a estação da Moóca.

“– Talvez!” Disse isso e desceu no Brás. Eu, na Luz.

Naquele mesmo dia, minha filha, entediada com o computador, me propôs brincarmos de adivinhas, como tantas vezes eu brincara com minha mãe, tempos atrás...

E, assim, trazendo de volta o meu passado, de adivinha em adivinha e de risada em risada, até adormecer, minha filha me ensinou que o tempo, embora pareça inexorável, é relativo, como já teorizava Einstein.

Mesmo na singeleza de um “o que é, o que é...”

(1) Qualidade do que é implacável, rígido, inexorável


Foto: Estação da Moóca - acervo Thomas Correa.

Uma das melhores trovas humorísticas dos últimos tempos...



Amigo/amiga, reparto

este espanto com você:

o parto não é mais parto;

é download de bebê.



(A. A. de Assis/PR)