sábado, 5 de fevereiro de 2011

Matéria sobre o projeto "Pão e Poesia"

Descobri hoje um texto interessante, de um jornalista mineiro, que registra alguns aspectos do Projeto Pão e Poesia, do qual participei em 2009/2010. Vamos a ele!


Pão e poesiaA revolução trará não somente direito ao pão, mas também à poesia”
Trotsky
Marcos Fabrício Lopes da Silva*

Graças aos nutricionistas extraordinários, conhecemos uma dieta saudável à base de pão e poesia. O contista cubano Jorge Onélio Cardozo tinha mesmo razão: “o ser humano tem duas grandes fomes, a de pão e a de beleza; a primeira é saciável; a segunda, infindável”. Nesse sentido, o nosso cardápio existencial foi muito bem apresentado pelos Titãs, na canção Comida (1987): “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. Ou seja, o indivíduo precisa sustentar o corpo com o pão e a alma com a poesia para zelar pelo seu equilíbrio.

Diante das “duas grandes fomes” humanas, o projeto “Pão e Poesia: em qualquer esquina, em qualquer padaria”, idealizado pelo poeta mineiro Diovani Mendonça, desponta na cena cultural com a apropriação da embalagem utilizada por padarias para divulgar a arte poética ao público, vinculando à necessidade de atender “a fome de pão” dos consumidores o prazer destes em poderem saciar “a fome de beleza”, a partir do alimento poético. Contando somente com a iniciativa voluntária dos seus colaboradores, o “Pão e Poesia” ganhou as ruas em 2008, com a distribuição gratuita de 300 mil embalagens ecologicamente confeccionadas às panificadoras da periferia da Região Metropolitana de Belo Horizonte, visando facilitar o acesso público às obras artísticas e divulgá-las em um suporte bastante alternativo.

No ano passado, o “Pão e Poesia” recebeu com distinção e louvor o 1º lugar no Prêmio Pontos de Mídia Livre, na categoria local/estadual, oferecido pelo Ministério da Cultura. Além do empenho voluntário, a segunda edição do projeto, referente a 2009, foi viabilizada pela premiação e pela parceria com o IAP – Instituto Aprender Profissionalizar. 120 mil embalagens já foram distribuídas às panificadoras, tendo em vista as intenções que acompanham o projeto desde o seu início. Além de reconhecer o trabalho de autores já consagrados, o “Pão e Poesia” abre espaço para novos escritores (que estão à margem da sociedade e das grandes editoras), desperta nas pessoas o gosto pela leitura e o interesse pela arte poética, ampliando o acesso do público a ela.

Na versão 2009, os saquinhos de papel trazem as obras dos artistas plásticos Eduardo Vilela, Gilberto de Abreu, Guido Boletti, Iara Abreu e Jair Leal, além dos poemas de Adriana Versiani, Alice Ruiz, Arnaldo Antunes, Fabrício Marques, José Ouverney, Marcelo Dolabela, Paulo Franchetti, Paulo Urban, Sebastião Nunes, Wilmar Silva, entre outros. Somam-se aos trabalhos dos 32 poetas/artistas plásticos convidados e homenageados, 108 poemas selecionados por meio de inscrição via internet, nas categorias Haicai, Trova, Soneto e Verso Livre.

As embalagens também participam da exposição itinerante “Pão e Poesia na Escola”, podendo ser oferecidas aos colégios interessados e/ou ampliadas em banners a título de mostra cultural. Aproveita-se o contato com as instituições de ensino para a promoção de oficinas e bate-papos sobre poesia e arte. Esse conjunto de ações visa contribuir para a formação de poetas, leitores e educadores poéticos. Várias escolas públicas das cidades de Contagem, Betim, Esmeraldas, Lagoa Santa, Belo Horizonte, Sete Lagoas e Cotia (SP), foram atendidas pelo programa, que já contemplou cerca de 10 mil estudantes.

A questão educacional também se faz presente nos achados poéticos do “Pão e Poesia”. Neste ano, temos nas trovas de José Ouverney a contribuição decisiva da educação para o desenvolvimento nacional – “Quando a base é a educação/na visão de um governante,/não há no mundo Nação/que não cresça e se agigante!” – e a valorização do agricultor que, mesmo com a escolaridade prejudicada pela extenuante jornada de trabalho no campo, se destaca como produtor de alimentos e de riqueza para o país – “Na roça não tive estudo/mas fiz – calejando as mãos -/dessa escassez de canudo/esta fartura de grãos”.

No haicai de Luiz Carlos Lopes Dinuci, subverte-se a noção clássica de obra como resultado de uma arquitetura textual formalmente acabada para que seja destacada uma noção de processo expressivo aberto, inacabado e constituído por vestígios e restos que protagonizam a construção simbólica do sujeito poético: “Eu não tenho obra./Tudo o que tenho/é o que me sobra”. Clevane Pessoa bebe da fonte oriental para expressar com sutileza e profundidade a importância de se respeitar as diferenças, tendo em vista o aperfeiçoamento da convivência humana: “Força dos opostos/Espirais da eternidade/Yin e Yang: você e eu”.

O soneto “Nostalgia versus Modernidade”, de Sérgio Ferreira da Silva, traz uma narrativa satírica de tom fabular. Em um shopping center, a pobre raposa e a esnobe galinha se encontram. Ao cumprimentar a galinha, demonstrando satisfação por revê-la em tão radiante alegria, a raposa acaba sendo tratada com desdém. Em resposta à declaração arrogante dada pela galinha, que quis se diferenciar pelo status acadêmico e financeiro – “Fiz faculdade e muita economia!” –, a raposa abocanha a sujeita petulante.
No contexto educacional, destaca-se também o poema “Separação de sílabas”, feito, em verso livre, por Lasana Lukata. Assim como se dá com as palavras e a desintegração destas em sílabas, a história da família do eu-lírico foi marcada inicialmente pela união e depois pela separação de seus membros. Vejamos: “na sala de aula/quando a professora perguntava/como era a minha família/eu dizia que era um tritongo/havia cigarra/dançávamos jongo/mas a mãe se foi/a cigarra morreu/a dança acabou/a tristeza invadiu/meu pai e a mim/e viramos ditongo/mas veio a madrasta/que teve três filhos/me jogou num hiato/e fiquei feito um i/em ICARA-í”.
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* Jornalista, formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Doutorando e mestre em Estudos Literários/Literatura Brasileira pela Faculdade de Letras da UFMG.