quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

RÉQUIEM PARA UM AMIGO (CÉLIO BRANCO)



RÉQUIEM PARA UM AMIGO
(em memória de Célio Branco)
Ontem, aparentemente, morreu um guerreiro.
Era Natal.
 Justamente o dia em que pessoas de vários credos celebram o renascimento (do Cristo, da Fé e da Esperança).
Justamente no Natal.
Ao seu funeral acorreram muitos de seus amigos, até os mais distantes.
Ao lado de seu corpo, entre lágrimas, alguns sorrisos.
 Era orgulho.
Orgulho da mera lembrança de sua garra, do seu sorriso, do seu respeito e cuidado com crianças e anciãos. Da alegria em poder ajudar: “pode contar comigo”. Da coragem, do reconhecimento do erro, da voz marcante, da risada contagiante. Do falar com os olhos e o coração.
Era um homem comum? Não. Era um homem simples, de uma grandeza incomum.
Um dos significados de seu nome é “o que vem do céu”.
E sua luta, nos últimos tempos, tornou-se infinda. Era hora de repousar, como diriam os latinos “requiem aeternam dona eis”, ou seja, dai-lhes o repouso eterno.
Hora de repousar, amigo.
E no início, quando disse que ele partira apenas aparentemente, eu refiro os pensamentos daqueles que o viram descer à terra: ele permanece vivo,  naquilo que compartilhou com cada um dos seus inúmeros amigos e com sua família.
Afinal, não é todo dia que podemos ver alguém sendo aplaudido depois de partir...
(Sérgio Ferreira da Silva, em 26 de dezembro de 2013)


domingo, 1 de dezembro de 2013

Fluxograma Cotidiano

 
 
Este poema tem quase 10 anos e é uma brincadeira com as figuras padrão do programa Office, da Microsoft. Não foi publicado antes, porque não havia encontrado uma solução que permitisse manter sua forma original...
 
Só agora tive a brilhante ideia de transformá-lo em imagem.
 
Clique no poema para ampliá-lo!
 
 
 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

International Youth Service (IYS), o valor da amizade e as mãos de Teresa.

 
 
 
 
Em 1983 conheci, por intermédio de um colega estagiário da Caixa Econômica Federal (Júlio), uma Instituição finlandesa chamada International Youth Service, que promovia a correspondência entre jovens de mais de 100 países diferentes, entre eles o Brasil. Era simples: você preenchia um formulário, no qual respondia várias perguntas sobre interesses, grau de conhecimento de línguas estrangeiras, gostos e dados pessoais. A partir daí, após receber o formulário preenchido, o instituto cruzava os dados recebidos em seus computadores e elaborava uma lista de jovens de diversos países, com interesses comuns, com os quais você poderia trocar correspondência. Recebi nomes de pessoas da Itália, do Chile, da Inglaterra e de Portugal.
 
O instituto foi criado em 1952, em Turku, na Finlândia e foi extinto em 30 de Junho de 2008, posto que não podia fazer frente ao desenvolvimento da internet, das redes sociais e das facilidades do correio eletrônico.
 
As pessoas, em geral, atualmente, não escrevem cartas. As únicas cartas que costumam chegar às nossas caixas de correspondência, invariavelmente, são boletos bancários, avisos de eventuais faltas de pagamento dos boletos bancários, senhas, cartões de crédito, encomendas, cartões de natal de políticos, cartões de felicitações... de políticos, cardápios de pizzarias, churrascarias e lanchonetes, ou seja, cartas, mesmo, como se fazia até os anos 90 (e olhe lá!), são espécies em extinção.
 
Pois bem, como eu disse acima, recebi uma pequena lista de pessoas, para as quais pude enviar cartas e das quais recebi algumas, também.
 
Apenas uma dessas correspondências vingou: a que mantive por cinco anos, aproximadamente (entre 83 e 88),  com uma jovem portuguesa chamada Teresa. Neste período o Brasil caminhava para a democratização e progredia, a passos lentos, economicamente falando, embora permaneça carente em diversas áreas, ainda.
 
Portugal, por sua vez, entrava de vez para a Comunidade Econômica Europeia, ou, como escreveu  certa vez Teresa, a CEE é que talvez entrava em Portugal... Teresa intuiu, em seus relatos, diversos problemas que afetariam seu país no futuro, presente hoje.
 
Eu compartilhava com ela o início das Bandas Nacionais, como Legião Urbana, Titãs, Ira! e outras mais e ela me mandava folhetos contando sobre "Os Heróis do Mar".
 
Muitas cartas foram extraviadas nestes anos, e eu não sabia se por conta de minha atividade estudantil, voltada aos movimentos populares, ou pela ineficiência dos correios. O fato é que a correspondência parou.
 
Enfim, foram anos de mudanças importantes em nossos países e em nossas vidas. Devo a ela, sem sombra de dúvida, o desenvolvimento e a fluidez de minha escrita. Sempre que escrevo, hoje, estabeleço a figura do leitor, do interlocutor interessado e cúmplice. Sei que haverá, do outro lado da escrita, alguém que não é passivo, que vivencia meus relatos, concordando ou discordando, mas sempre acrescentando suas próprias experiências ao meu texto. A existência do texto pressupõe respeito entre os interlocutores, sejam eles identificáveis, ou não.
 
A parte tudo isto e muito mais, das experiências e anseios que compartilhamos, da correspondência nasceu uma grande amizade, daquelas amizades eternas da infância e adolescência, que levamos por toda a vida, estejamos perto ou distantes.
 
Todas as cartas foram guardadas. A amizade também. Intacta.
 
Porém, assim como a internet acabou com o IYS, ela também poderia trazer novamente as palavras que foram caladas por 25 anos...
 
Procurei muito, sem sucesso. A Leila também. E foi dela a iniciativa que selou o final da procura: "Sérgio, mandei mensagens para várias Teresas no Facebook, todas de Portugal e com o mesmo sobrenome dela... vou mostrar as fotos para você!"
 
Eu olhei as fotos e não reconheci nenhuma delas. Frustante. Embora uma, em especial, tenha adicionado a Leila. Ora, veja!
 
Era véspera de feriado e a Leila deu outra sugestão: pegar as cartas guardadas para, quem sabe, encontrar alguma pista que nos levasse a encontrá-la.
 
Naquele dia, lendo todas elas, fui dormir por volta de 04:00h da manhã, mas havia uma pista: uma amiga, de nome Cristina, que frequentou a mesma escola que ela e que cantava o Fado! É que, em uma das cartas, Teresa havia descrito a amiga: morena, alta e de olhos verdes.
 
Nova pesquisa na internet, até que, no Youtube, um vídeo de uma cantora chamada Cristina me deu praticamente a certeza de haver encontrado a amiga de Teresa, Cristina Santos...
 
 
 
Pois bem, amigos, pesquisa vai, pesquisa vem, consegui um contato com Cristina, que, imediatamente, respondeu ser, sim, a amiga dos tempos de escola. Infelizmente, ela havia perdido contato com Teresa, mas tinha contato com outras amigas comuns e tentaria me ajudar.
 
No dia seguinte, toda feliz, Cristina me disse que havia falado por telefone com Teresa e, finalmente, pudemos restabelecer o contato interrompido, por vídeo chamada (Skype), num momento de muita emoção e alegria, em que falamos (eu e minha esposa Sherlock Leila) e conhecemos os novos membros das famílias, nossos filhos. 
 
Sempre considerei a amizade um dos maiores valores que a vida nos proporciona, agora mais ainda. Numa das fotos que tenho de Teresa, as colegas de escola a fotografaram no momento em que escrevia uma carta, não sei se para mim, ou para sua família, que se encontrava distante, mas acho que esta foto, aliás, um pequeno detalhe dela, sintetiza toda esta postagem e com ela termino esta crônica-homenagem...
 
 

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

POEMA AUTOEXPLICATIVO

 
 
 
Poema[1] Autoexplicativo[2][3][4][5][6][7][8][9]

 


  

Sérgio Ferreira da Silva[11]





[1] Poema, sim: sou poeta!
[2] Autoexplicativo, sem hífen, dado que o prefixo termina em vogal diferente da vogal inicial do segundo elemento­.
[3] Você, leitor não precisará “entender o poema”... O poeta não é um ser supremo, senhor das emoções e das palavras. Não é senhor nem do poema: poema publicado, poema perdido! Interprete da maneira que quiser, ou que não quiser. Ele é seu! E é autoexplicativo.
[4] Não é preciso buscar referências externas, intertextualidades, alteridades... Busque em você mesmo aquilo que o poema lhe disser!
[5] Há uma possibilidade muitíssimo remota do “Poema Autoexplicativo”, no futuro, cair nas mãos de um (a) estudioso (a), de um (a) crítico (a) literário (a), ou de um blogueiro (a) com vocação para ambos. Não acredite no que ele/ela disser, por favor! Não que eu não admire o trabalho deles: o problema é que, ao dissecar um poema, há uma tendência natural de situá-lo no tempo, no espaço, na biografia do autor, em sua própria obra, ou em fatos e movimentos culturais em voga... Aí, um poema de 4, 6, 12, ou mais linhas rende 30 páginas de referências, reflexões, teses, críticas, para, por fim, cair na prova! E eu não quero uma legião de vestibulandos me odiando!
[6] Fruto de tantas análises, alguém um dia poderá dizer (então, digo eu): “Ah, o Poema Autoexplicativo é aquele poema que não diz nada!” É por aí, mesmo: não há nada no Poema Autoexplicativo.
[7] Mas, e as notas de rodapé? Hein? Hein? As notas de rodapé são a chave, como diriam os teóricos, de compreensão: eu adoro notas de rodapé! Sério. Graças ao Millôr Fernandes: ele reinventou as notas de rodapé, antes tão burocráticas e sufocantes. Limitativas. Impositivas e despóticas. Considero as notas a melhor oportunidade de estabelecer um diálogo realmente produtivo com o leitor.
[8] E, do diálogo, nasce o entendimento, pelo menos o meu entendimento do próprio ato de escrever e fazer poemas, que é exatamente o que estou fazendo agora.
[9] O Poema Autoexplicativo, na verdade, não é um poema. É um título (como você já percebeu), sem poema. Um título que, por si só, deveria ser vazio. Mas, note bem, quando um poeta escreve um poema, geralmente, cria o título por último. Feito um filho que só recebe o nome, que o seguirá por toda vida, após ser concebido, ou, o que é mais raro nos dias atuais, após nascer. Criei o título primeiro.
[10] O vazio, entre o título e o nome do autor, este, sim, é o poema.
[11] O poeta.


terça-feira, 29 de outubro de 2013

Serial Killer, o poema.

 
Serial Killer

 
Alguns medos
muitos sonhos

 
a inocência
a esperança

 
uma certa culpa
a fé na justiça

 
um pouco de saúde
milhares de bactérias

 
formigas e mosquitos
aranhas e moscas

 
metade de um copo
uma charada inteira

 
um bebê
um menino
um adolescente
um jovem

 
Guilty!
 
(Sérgio Ferreira da Silva)


sábado, 28 de setembro de 2013

Tinha um diamante no meio do caminho...




O nome do médico que salvou minha visão esquerda é Nahin Mohamad Ali Geha. Jovem e competente: agiu rapidamente, cauterizando minha retina, evitando, assim, que eu a perdesse. Sou eternamente grato a ele. Jogo o nome dele no google e encontro o arquivo cujo link segue abaixo, que trata da Prova Nacional de Oftalmologia de 2011. O doutor Nahin foi o primeiro colocado desta prova, com nota máxima nas três matérias avaliatórias, como vocês podem ler na página 4! Ele trabalha, em algumas manhãs, toda semana, em uma clínica popular de Santo André, a Clínica de Olhos das Nações. A imensa maioria das pessoas que ele atende, certamente, não conhece sua excelência. A clínica fica a dois quilômetros de minha casa e só passei lá porque ficava a caminho do trabalho. Nem sempre, em nosso caminho, encontramos uma pedra intransponível. Às vezes, se olharmos bem, há diamantes também! Muita luz em seu caminho, Doutor Nahin, e muito obrigado!
 

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Flávio Roberto Stefani, seu livro Galponeios e um poema especial: identidade e pertencimento




Galponear, segundo o dicionário Houaiss, é "recolher (animais) ao galpão". Nas orelhas do livro "Galponeios", de Flávio Roberto Stefani, editado em 2001, há um texto assinado por Gisele Bueno Pinto, intitulado "Amor a cabresto", no qual ela diz sentir de Flávio  "...como se a inspiração lhe viesse em voleios azuis colorindo o santa-fé escuro dos galpões".

Nas "Primeiras Palavras" do livro, Nilza Castro afirma que "...O livro 'Galponeios' é a revelação do seu sentimento telúrico, enraizado em seu espírito e em seu coração. Merece, pois, os aplausos de seus conterrâneos por adentrar-se, com propriedade e de forma elegante, no regionalismo severo das nossas tradições."

Marlene Pastro, autora das "Segundas Palavras", define-o como "...um pássaro-poeta que nos arrebata em seus sonhos e nos arremessa de pronto ao infinito. Graça divina é tê-lo na poesia e na crônica. Reparo com que intensidade brilham seus versos no cenário cultural do nosso amado Rio Grande."



De fato, Flávio faz jus às belas palavras de suas prefaciadoras, como no trecho a seguir, do poema GAÚCHOS I:


"...São gaúchos esses taitas
que se estendem nas calçadas
fazendo suas moradas
ali mesmo, rente ao chão.
Não tem cavalos nem gaitas,
nem pelego pra deitar,
nem água pra se lavar,
nem erva pro chimarrão.
 
Gaúchos são os andejos,
que, perdendo o rumo certo,
vão rumando pro deserto
que a vida se lhes parece.
Já não montam seus desejos,
montar já nem sabem mais,
roubaram-lhes toda a paz
deram de mão no seu eu..."
 
Obs.: taita = destemido
 
A proposta que me fiz, antes de começar a escrever esta postagem era a de trazer a lume as marcas de regionalismo contidas no texto de Flávio Roberto Stefani, um destacado poeta do cenário nacional, advogado, gremista, com o qual, pude, um dia, repartir uma arquibancada, em Porto Alegre, e assistir um jogo de futebol entre seu time do coração, o Grêmio, e o Flamengo...
 
Porém, quanto mais eu me aprofundava na leitura, mais povoavam a minha mente as questões sobre a "identidade cultural" na pós-modernidade e a noção de "pertencimento", lançadas por Stuart Hall, que bem superficialmente passo a comentar.
 
Basicamente, ainda está em processo, em nossos dias, o que Hall chamou de "crise de identidade". As identidades individuais sempre foram atreladas às identidades nacionais, principalmente antes das grandes alterações geopolíticas na Europa e na extinta URSS. Ou seja, o sujeito definia-se por ser de determinada nacionalidade, identificando-se a partir de critérios regionais, territoriais.
 
Com estas mudanças e o advento da Globalização, estes limites nacionais/territoriais foram um a um sendo derrubados e as pessoas mantiveram, em si, a necessidade de fazer parte. E "fazer parte" entenda-se como pertencer a algum grupo. No entanto, esta busca de uma identidade não se resumia a deixar de pertencer a um grupo de cidadãos de determinada região, com origens culturais comuns e passar a integrar um grupo religioso, ou cultural, ou ideológico, ou sexual distintos. Não.
 
A construção da identidade individual passa pela noção de "pertencimento", ou de "fazer parte" de vários grupos ao mesmo tempo, formando-se, assim, um indivíduo de identidade plural. Exemplificando, uma pessoa, homem ou mulher, brasileiro ou cidadão de qualquer parte do mundo, pratica um esporte qualquer, fala três idiomas distintos, é vegetariano/a, tem uma religião específica, e, por fim, é trovador! Ou seja, a mesma pessoa, dependendo da situação fática em que se encontrar, será socialmente reconhecido como natural ou estrangeiro/a, ou como um atleta, ou poliglota, ou vegetariano/a, um religioso/a, ou trovador/a.
 
Então, o indivíduo é único e plural ao mesmo tempo!
 
Flávio Roberto Stefani registra em seus "Galponeios", todas estas transformações identitárias.
 
Voltando ao trecho do poema em destaque, notem como o poeta constrói a partir da desconstrução: a figura do Gaúcho idealizado é descrita através da indicação de que os "taitas que se estendem nas calçadas" não têm cavalos, gaitas, pelego, água ou erva. Além disso, não são os desbravadores e senhores de todos os caminhos como seus antepassados, porque não têm "rumo certo" e "montar já nem sabem mais...". A figura do gaúcho típico, quase um estereótipo, está implícita, nas entrelinhas.
 
Na sequência do poema, Flávio constata que a culpa da situação de desespero de seus irmãos gaúchos é da própria sociedade, como um todo, quando diz...
 
 
"São gaúchos esses párias
que ajudamos a criar,
que ajudamos a empurrar
pras ribanceiras da vida!"
 
 
Ora, não escapa ao seu olhar aguçado, de homem da terra e, ao mesmo tempo do advogado, norteado pelo espírito de justiça, todo o processo de perda da identidade ligado aos movimentos de opressão dos indivíduos, frutos da opressão dos rearranjos sociais.
 
 
Na segunda parte do poema (GAÚCHOS II), Flávio explicita, o que é raro em poesia, de que matéria foi feito, para termos, então a oportunidade única de estabelecermos contato com as experiências formadoras de sua poética, de seu falar distinto, de seu regionalismo exemplar...
 
 
"...E somos gaúchos quando
o orvalho cobre a folhagem,
cristalizando a paisagem,
e chimarreamos solitos.
Os sabiás são mais bonitos,
mais gordos, e o seu cantar
tem o dom de perpetuar
o canto dos passarinhos.
 
E somos também gaúchos
quando o trabalho nos chama,
e a nossa mão se esparrama,
vertendo o bem que se quer..."
 
 
Um poema extraordinário, que é pura identidade, que é puro pertencimento, tanto no micro, quanto no macrocosmo: a identidade gauchesca, folclórica, dos defensores das fronteiras de um Brasil, que, enquanto vocábulo, parece soar mais poderoso e uno quando dito nas terras do Rio Grande.
 
 
Flávio mostra-se, ao mesmo tempo, reflexivo, intuitivo e personalíssimo, quando nele identificamos o homem, o trovador, o gaúcho, o advogado e o homem de fé inabalável que convivem no indivíduo Flávio Roberto Stefani, presidente da União Brasileira de Trovadores de Porto Alegre, um artífice da palavra e de sua cultura.
 
 
Falei de sua fé e é com ela que termino a postagem, no trecho da terceira parte do poema, GAÚCHOS III...
 
 

"... No arremate dos cantares,
entre luares e sóis
e entre florestas e campos,
ao luzir dos pirilampos,
olhando firme o horizonte,
fazemos nossa oração:
 
Pai Celeste, bom Patrão,
de coração terno e grande,
por favor, dai ao Rio Grande
toda luz que ele merece,
e se não for pedir muito
derramai sobre este povo
uma cambona de amor..."
 
 
Que assim seja, prezado amigo, Flávio Roberto Stefani!
 

 
 




 
 



 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Estilos literários em um samba-enredo de João Freire Filho



Com João Freire Filho, no Country Club de Nova Friburgo/RJ

 
Todos os trovadores, acredito, tornam-se, de certa forma, órfãos, quando um ser humano como João Freire Filho nos deixa. Sinto-me assim, em relação ao João.
 
Para muitos dos trovadores brasileiros, João Freire, de saudosa memória, será lembrando como Magnífico Trovador, ou como Presidente da União Brasileira de Trovadores (UBT). Também será lembrado por sua marcante voz  e pela emoção sempre à flor da pele quando declamava uma trova, pela forte personalidade, ou como um ferrenho defensor da trova.
 
Para outras pessoas, fora do meio trovadoresco, será lembrado como ótimo professor das séries iniciais, ou como professor e membro do conselho universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
 
Outros, lembrarão com gratidão do professor voluntário do curso preparatório para o vestibular EDUCAFRO, que tantos alunos conseguiu aprovar em importantes vestibulares de seu Estado.
 
João Freire, com sua voz marcante, também era compositor, e foi autor de diversas músicas. Uma delas, em especial, ele cantou para que eu ouvisse no Hotel Fabris, em Nova Friburgo, por ocasião do lançamento de seu livro "Entre achados e perdidos".


 
Era um samba-enredo (cuja música é de seu parceiro Rui Perez), que foi ensinado aos alunos daquele cursinho preparatório. Tenho certeza que esse samba abriu muitas portas. Nunca esquecerei do entusiasmo com que João me falou do samba e, igualmente, de sua alegria e orgulho ao cantá-lo.
 
Edmar Japiassú Maia me pôs em contato com a filha de João (Luciana), quando fiz contato para saber se ele tinha a letra do samba, ou mesmo alguma gravação, para postagem neste blog.
 
Por enquanto, não consegui a gravação, mas a letra foi gentilmente enviada a mim pela Luciana e, ao ensejo do carnaval deste ano de 2013 (hoje é véspera), publico aqui a íntegra do samba, respeitando integralmente a grafia original, para o deleite dos trovadores, amigos do João, sua família e os alunos que o ouviram em primeira mão, desfilando saber e carinho, como só o João Freire Filho sabia fazer!
 
Numa época em que os sambas-enredo são sinônimo de falta de coerência, confusões históricas e parecem ser uma coisa só, uma massa disforme sem conteúdo, o samba de João Freire é um verdadeiro alívio para a alma.
 
Fiquemos com ele, então. E bom carnaval...
 


G.R.E.S. VÊM VINDO OS VESTIBULANDOS
SAÚDA A IMPRENSA ESCRITA, FALADA E TELEVISIONADA, PEDE PASSAGEM E APRESENTA O ENREDO
ESTILOS DE ÉPOCA NA LITERATURA BRASILEIRA:
VAMOS CANTAR A TRAJETÓRIA
DA LITERATURA TUPINIQUIM...
SOB A LUZ DA NOSSA HISTÓRIA,
SUA HISTÓRIA
VEM-SE FAZENDO ASSIM...
O BARROCO É REBUSCADO...
ENTRE “NÓS”, FAZ POESIA...
QUER O CÉU, VIVE EM PECADO
E REJEITA A SIMETRIA...
PASTORES TOCAM FLAUTA NO ARCADISMO,
PREGANDO QUE O BOM MESMO É O BUCOLISMO...
NEOCLASSICISMO – COM RAZÃO, RACIONALISMO!
COM SENTIMENTO DERRAMADO
COM AMOR POR TODO LADO
- POR UM MUNDO COR DE ROSA –,
O ROMANTISMO, FEBRIL,
SEJA EM VERSO, SEJA EM PROSA,
PINTA O MAR, PINTA A FLORESTA,
PINTA O ÍNDIO E O BRASIL!
E O REALISMO, DE PÉS NO CHÃO,
DÁ AS MÃOS AO NATURALISMO,
NA PROSA DE FICÇÃO – SEM EMOÇÃO!
E, ENQUANTO ESSES DOIS SE VÃO FIRMANDO,
NOSSOS PARNASIANOS, PRESOS A NORMAS,
- VERSOS DUROS FABRICANDO -,
NUMA FÔRMA PÕEM AS FORMAS!
MAS... É DAS VOZES DO INCONSCIENTE,
DO VAGO, DO ETÉREO E TRANSCENDENTE...
QUE UM CELESTE MISTICISMO
FAZ SURGIR O NOSSO SIMBOLISMO!
É SINESTESIA, É MAIS SUGESTÃO...
ESSA POESIA... DE EVOCAÇÃO...
É SINETESIA, É MAIS SUGESTÃO...
ESSA POESIA... DE ALITERAÇÃO!
E ASSIM... ASSIM,
DE MOVIMENTO EM MOVIMENTO,
ENTRE RAZÃO E SENTIMENTO, A GENTE CHEGA A 22...
COM O MODERNISMO
- VERSOS BRANCOS, VERSOS LIVRES...
REGIONALISMO
E TUDO “PÓS” QUE VEM DEPOIS!...
E VAMOS...
 
(LETRA DE JOÃO FREIRE; MÚSICA DE RUI PEREZ E JOÃO  FREIRE)



 


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A Aurora e o Poente, de Heloísa Zanconato & José Fabiano

 
 
 
Lançado em 2001, o livro "A Aurora e o Poente - Versos Líricos" traz sonetos e trovas dos poetas mineiros Heloísa Zanconato e José Fabiano, em parceria anterior àquela da postagem anterior, com José Ouverney.
 
O meu destaque, desta vez, vai para dois sonetos, um de cada autor, que, de certa forma, "dessacralizam", primeiramente, a figura do fazer poético, negando a aura da inspiração e da sensibilidade pura como forças motrizes do poeta. Num segundo momento, o foco está nos próprios sentimentos "motivadores", digamos assim, do poeta.
 
 
Novamente, chamo a atenção do leitor para a construção de ambos os sonetos. Ambos têm detalhes que os fazem figurar, pelo menos em minha estante, como poemas especiais, pela diferenciação dos temas  e, principalmente, da retórica envolvida. Vamos a eles...
 
 
SONETO
 
Quando a tristeza me arrebata o pranto
ou a alegria, o coração, me assalta,
busco na rima o aprimorado encanto
que, às vezes, sobra em tudo o que me falta...
 
Não é preciso a proteção de um Santo,
nem mesmo a voz da inspiração mais alta;
tampouco, as notas magistraiss de um canto
ou o esplendor das luzes da ribalta...
 
Basta uma folha em branco... e um pena
e a alma transborda, de venturas, plena,
do primo verso ao último terceto...
 
E após o parto... e alcançada a meta,
sente-se um Semideus, este poeta
que deu a luz a um clássico SONETO!
 
(Heloísa Zanconato)
 
 
A elaboração de qualquer texto, ou de um poema em especial, pressupõe uma relação existente de emissão e recepção de uma mensagem, de utilização e comprensão de signos.
 
Não há poeta que não idealize seu leitor, seja ele um outro poeta, ou um interessado, cultor da poesia. De outra parte, tão ou mais idealizado ainda é o poeta, na concepção do leitor.
 
O leitor sempre espera que o poeta escancare sua alma, desnude-se perante a plateia muda e dispersa. Se amou, ou se perdeu seu amor; se venceu, ou foi derrotado. Tudo deve estar no papel.
 
Porém, um poeta que foi muitos outros, Fernando Pessoa, quebrou estas expectativas recíprocas, ao escrever que "O poeta é um fingidor".
 
Mas este "fingidor" não é sinônimo de mentiroso ou falso. A palavra fingidor nasce no latim (fingo, fictum, fingere), no sentido de "moldar o barro". Então, o poeta não mente, molda. Toma uma massa disforme, o barro das sensações e o transforma em um conceito, em uma sensação primeiro pensada, trabalhada, moldada, entendida e, talvez, depois, sentida.  
 
É exatamente isto que Heloísa dispõe em seu SONETO: no primeiro quarteto, ela relaciona alguns prováveis elementos motivadores de sua poesia, sua massa disforme (tristeza, pranto, alegria, rima); no segundo, elimina todas as possibilidades de influências mágicas, espirituais, artísticas e estéticas, para dizer que, o que a impulsiona é a razão.
 
No primeiro terceto, reduz toda a elaboração do poema às questões materiais: um papel em branco, algo para grafá-lo e, num verdadeiro impulso criativo, ela escreve "do primo verso ao último terceto".
 
No segundo terceto, então, desincumbida do árduo trabalho criativo, o poema, aí sim, é sacralizado (semideus) e ganha vida (parto). Espírito e matéria são o próprio soneto.
 
Três observações finais sobre este soneto: 1) seu nome é SONETO, ou seja o nome da própria forma lírica adotada; 2) É um poema metalinguístico, ou seja, em si mesmo discute a própria criação literária e a produção do poema; e 3) o emprego magistral da circularidade, vez que SONETO é a primeira e a última palavra utilizada no soneto! Outro detalhe da circularidade é o estabelecimento de um ambiente fechado, que ao mesmo tempo é restrito e infinito. Marca de gênio e de talento.
 
Não é por menos que Heloísa é considerada, e com justiça, uma das grandes sonetistas da atualidade. Essa foi a Aurora.
 
Nosso amigo Poente não deixa por menos...
 
O LIXO
 
Pela manhã de certos dias, passa
o caminhão de lixo em minha porta
e para longe, rápido, transporta
aquilo que, imprestável, me embaraça.
 
Vai carregando como coisa morta
de serventia para mim escassa,
mimos onde antes via brilho e graça,
cujo destino já não mais importa.
 
As ilusões e sonhos juvenis
de que seria célebre e feliz
conservei longos anos, por capricho.
 
Ante a verdade da fatal velhice,
hoje os desprezo, como se pedisse
que a vida me liberte deste lixo...
 
(José Fabiano)
 
 
José Fabiano constrói seu soneto negando, aparentemente, a própria condição de texto poético.
 
Os dois quartetos iniciais remetem ao gênero crônica. A relação autor/leitor dá-se pela proximidade fixada entre as pessoas reais envolvidas (poeta e leitor) e não nos seus papéis no estabelecimento do vínculo da linguagem (emissor e receptor). Explico: autor e leitor são pessoas que moram em lugares onde, em dias pré-determinados da semana passa um caminhão de lixo, que leva o lixo, ou seja, tudo aquilo que não tem mais serventia, ou estragou: tudo o que seletivamente descartamos de nossas vidas, materialmente falando (técnica invariavelmente utilizada pelos cronistas, que costumam chamar a atenção do leitor para aspectos comuns do cotidiano de ambos).
 
Primeiro ponto em comum entre os dois autores, Aurora e Poente: o estabelecimento de parâmetros materiais de comparação para falar de sentimentos. Claro que o ato de moldar o sentimento a partir da reunião de elementos e organização da massa disforme, em Fabiano, passa, primeiro, pelo estabelecimento desse elo identitário com o leitor.
 
Disposto o conceito e pressupondo que ele corresponda à verdade literária que o autor estabelece, nos tercetos finais José Fabiano arremata brilhantemente seu soneto, ao dizer que as ilusões e sonhos (imateriais) que não conseguiu concretizar (tornar matéria) são como o lixo ao qual ele fez menção no início e dele merecem apenas o desprezo, embora deles não esteja liberto.
 
Ora, a visão romântica do poeta que vive de sonho, é quebrada pelo próprio poeta. Não há esperança. O tempo passou e aquilo que era meta, ou anseio, perdeu-se no tempo. Mas continuam preservados "por capricho".
 
Dessa forma, em Fabiano, a dessacralização é a de si mesmo, enquanto autor, enquanto poeta. Mas sua negação, antes de produzir este efeito (com a eliminação do sonho e da ilusão), é, mais, uma afirmação da mantença da esperança, porque feita poeticamente, em forma de soneto.
 
A metalinguagem, em "O lixo" é subentendida. Permeia todo o soneto, mesmo os quartetos, pela adjetivação positiva emprestada ao lixo, propriamente dito (mimos, brilho, graça).
 
Por fim, também neste segundo soneto a circularidade fica estabelecida porque a palavra "lixo" é repetida no início e no encerramento do soneto. Coisas de quem sabe o que faz!
 
Não abordei propositadamente as questões mais comesinhas da arte poética, como rima, ritmo, emprego de pausas e do campo semântico, visto que procurei chamar a atenção para aspectos que, geralmente são mais "sentidos" do que vistos.
 
Faço ressalvas às minhas próprias análises: além de serem pontuais, no emprego da técnica do recorte, são, também, leituras como quaisquer outras. Li, gostei e comentei da melhor maneira que pude, para torná-las mais palatáveis, bem entendido, aqui, que o problema está na leitura, que é  sempre parcial, sectária, por depender, sempre, dos paralelos estabelecidos pelo "postador". Os poemas, estes sim, devem ser lidos/relidos e você, leitor idealizado/idealizador, deve trazer novas conclusões à luz.
 
Além disto, os poemas estão publicados e existem independentemente da leitura que deles se faça, seja ela profunda, rasa, ou em nível acadêmico. Importam mais como arte e expressão literária. Permanecerão.
 
Sobre os dois poetas abordados, José Fabiano, um mestre dos encontros e Heloísa, tenho a dizer, apenas, que desde que comecei seriamente a pensar a poesia tenho por eles um carinho muito especial. Heloísa Zanconato, em meus primeiros anos na trova, antecipou algumas conquistas futuras, e indicou caminhos preciosos. Só tenho a agradecer e render-lhe este singelo mimo, em forma de postagem.