sábado, 18 de janeiro de 2014

Em tons de nostalgia, de Thereza Costa Val: memórias feito sonetos.


Um tanto quanto tardiamente, já que o livro me chegou às mãos em fevereiro de 2013, quero tecer alguns comentários acerca do interessante "Em tons de nostalgia", livro de sonetos da Escritora mineira Thereza Costa Val. A palavra Escritora vai, mesmo, em maiúscula, por merecimento: pedagoga, autora de livros didáticos e infantis, trovadora, sonetista e, mais recentemente, memorialista. Aliás, nesta última condição, acaba de lançar um livro de memórias: "Enquanto eu me lembro".

Em prosa, o Brasil tem certa tradição de memórias, com destaque para os clássicos "Memórias de um sargento de milícias", de Manuel Antônio de Almeida e "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, além da menos lida, mas não menos preciosa, "Memórias sentimentais de João Miramar", de Oswald de Andrade. Ficcionais as primeiras e um misto de fato e ficção a última.

Em poesia, o fenômeno, aparentemente, é mais frequente, porque o poeta, no mínimo, vale-se de suas memórias emocionais para o trabalho da palavra. Fernando Pessoa, com a complexidade que sempre lhe foi própria, teorizou sobre o sensacionismo, em que dispunha, numa análise muito simplista de minha parte, sobre o trabalho poético como resultado do sentir racionalizado, do sentimento introjetado e exteriorizado somente após uma profunda reflexão do poeta. Ou seja, os poetas, em geral, reciclam suas memórias, antes de compartilhá-las em versos. Uns racionalmente, outros não.

O que diferencia, então, uns e outros, é, grosso modo, a existência de um projeto poético. Há aqueles que, primeiro, estabelecem o projeto e, a partir dele, começam a lançar no papel os poemas e versos que os compõem; de outra parte, há aqueles que trabalham o verso, os poemas e o conjunto de sua própria obra, a partir de uma visão diferenciada, que pode dar início e forma ao projeto, com foco em determinado assunto ou sentimento.

É desta segunda maneira que vejo a construção de "Em tons de Nostalgia", de Thereza Costa Val.

Os teóricos entendem que a Nostalgia é muito mais ampla do que a Saudade. Esta última, quase uma musa, é a companheira de quarto dos trovadores; é, em suma,  um revival de momentos passados, de alegria, de inocência, do dizer "naquele tempo eu era feliz ao seu lado". Já a nostalgia refere-se às perdas sentimentais e materiais, além de reforçar a ideia da inexorabilidade do tempo e das perdas que ele impõe. Em suma: a saudade traz e a nostalgia mostra o que nos foi tirado, de maneira mais profunda.

A escolha de Thereza pelo título, então, não foi aleatória e é dessa intenção que passo a falar, valendo-me de seus versos. Vejamos, então, o soneto
PERFUMES


A tudo que marcou a minha vida
parece que um perfume está ligado:
registro uma fragrância definida
de um tempo... um caso... e alguém que foi amado...

Se acaso um certo aroma me convida,
retorno com saudade ao meu passado
e, nessa volta, sigo comovida
o apelo do sentido despertado.

Mistério que não tem explicação:
perfumes trago vivos na memória
que ativam meus sentidos e a emoção.

Tão doce vem o aroma lá da infância!
Mas foi o amor perdido em minha história
que mais gravou em mim sua fragrância...


Não foi por acaso, leitor, que este soneto recebeu o 1° lugar no concurso Brasil dos Reis, um dos mais tradicionais do Brasil. O tema era "perfume".

"Era" perfume, porque Thereza Costa Val transformou o soneto numa descrição sensorial da nostalgia. A descrição é tão intensa que é possível identificar todos os sentidos humanos no soneto: o primeiro, óbvio, o olfato, na associação dos perfumes às lembranças nostálgicas; a visão, nos flashes de memória; o paladar, quando refere o doce "aroma lá da infância"; o tato na utilização de verbos como "marcou" e "gravou"; e, por fim, o não incluso, mas indispensável sentido da audição, presente a cada leitura do soneto. Simplesmente magistral.

A nostalgia pulsa no soneto e é o seu fecho de ouro. A saudade perpassa os dez primeiros versos, expondo o mecanismo mnemônico, o gatilho, que dispara a materialização do passado do eu lírico, quando ocorre a associação do aroma ao fato passado, ao caso e a alguém. Nos dois últimos versos, a nostalgia impõe-se à saudade, porque o amor perdido é que grava em sua memória sentimental a fragrância mais marcante, como se a poeta dissesse: "Eis minha alma...".


Caro leitor, o espaço limitado de uma postagem num blog é, de certa forma, um limão: aquele fruto azedo, intragável e ácido. Porém, como é costume de nossa gente, é possível, com um pouco de água e açúcar, transformá-lo em uma refrescante limonada. Ou, para os mais afeitos e saudáveis, numa bela caipirinha, como me lembrou recentemente uma grande amiga portuguesa.

O limão, no caso presente, é o espaço limitado e a limonada, ou caipirinha, é a obrigação de tornar uma pequena resenha em um incentivo à leitura. Há muitos textos de Thereza Costa Val na internet e há seus livros. O cardápio é enorme. Escolha, leitor, o que fazer, na certeza de que vai encontrar boa leitura... e eu me alegro de cumprir uma certa missão de falar de boa poesia, de bons poetas e de pessoas admiráveis como Thereza Costa Val. Sua benção, querida!