domingo, 3 de fevereiro de 2013

Os "Sóis e Orvalhos", de Edmar Japiassú Maia - Parte 2: Poesias Livres e Humor

 
 
 
Comentei, na postagem anterior, que "Sóis e Orvalhos", de Edmar Japiassú Maia, era dividido em capítulos. Os dois primeiros, de sonetos e poesias clássicas, respectivamente. Então, a seguir, trago umas breves palavras sobre os dois últimos...
 
Ao capítulo III, Edmar chamou CANTIGAS, com poesias livres. Dizem que aqueles que dominam o verso clássico, quando enveredam pelas searas da poesia livre, caminham com grande facilidade. As CANTIGAS de Edmar parecem confirmar isto, como nos trechos desse poema...
 
 
"INVERNO
 
Frios sorrisos,
bocas esfumaçadas pela névoa fria
que faz das mãos figuras indesejadas,
se nos tocam geladas,
ainda que por amor,
e, ainda que por desejo,
até a imagem do beijo
é tão fria quanto o tempo...
 
...
 
...Manhãs molhadas,
a nuvem nos toca a face
mais fria que o sol que nasce
em tristonha timidez,
mostrando e impondo de vez
os rigores da estação...
 
Noites desertas,
a brisa enrijece o rosto,
que com extremo desgosto
demonstra sua tristeza,
ao pressentir a certeza
de uma solidão forçada..."
 
Como podemos notar nestes versos extraídos do poema INVERNO, o espaço exterior é o reflexo do estado anímico do eu lírico. Manhãs e noites frias, úmidas, tristes. O sol, que apesar de ser sinônimo de calor, de vida, é incapaz de alterar o estado interior do poeta, porque ele é a própria tristeza, que se reconhece no clima, nos dias e nas noites. Ele é o inverno.
 
Note, porém, leitor, que os primeiros versos de cada estrofe têm 4 sílabas tônicas e os demais são redondilhas maiores. 
 
Nem se cogite, aqui, que há algum grilhão que prenda o autor. Antes o contrário: o recurso métrico empregado funciona como quebra e retomada de ritmo. A estrofe inicial tem 8 versos e as seguintes 6. O verso inicial funciona como um subtítulo. Os versos iniciais podem ser lidos fora do contexto do poema e permanecem coerentes com o título. 
 
Além disto, temos uma passagem, em todas as estrofes do que é externo (no primeiro verso) para o que é interiorizado (nos demais).
 
Ou seja, Edmar demonstra que um poema livre pode, sem que isto represente perda de liberdade, ser o resultado de uma proposta estética que deve, sim, possuir coerência em sua estrutura para que alcance seu objetivo, sem que, à primeira vista, sequer percebamos. E esta proposta estética não necessariamente deve ser encontrada em toda a obra, podendo variar a cada poema. É a liberdade íntrinseca ao construto, à elaboração e ao próprio poeta que determina a moldagem do poema e o resultado final.

 
E por falar em liberdade, com a qual Edmar sabe lidar tão bem, chego ao capítulo IV, denominado GRACEJOS, de sonetos humorísticos.
 
A simples pronúncia do nome de Edmar refere, nos quatro cantos do Brasil trovadoresco, competência na elaboração de trovas humorísticas, Magnífico Trovador nas duas categorias, por Nova Friburgo, suas trovas são aguardadas com ansiedade pelos cultores do gênero a cada edição do certame, porque trazem a certeza de boas risadas e espelham a competência dele no gênero, dada a facilidade que tem em "brincar" com as palavras, além do primor de suas chaves de ouro, de seus desfechos.
 
Pois bem, os sonetos humorísticos de Edmar não são diferentes das trovas, embora menos conhecidos do público em geral.
 
Destaco, a seguir, um dos meus preferidos, que além de uma chave de ouro primorosa, utiliza uma técnica interessante nos quartetos e tercetos, até o 13º verso, porque trabalham apenas uma descrição, para formar uma ideia, uma imagem na mente do leitor.
 
O soneto me faz lembrar, na verdade um retrato falado, desses que os peritos policiais elaboram a partir dos relatos das vítimas de assaltos e crimes em geral.
 
Melhor do que dissecá-lo, entretanto, é saboreá-lo: deixo ao leitor, então, a tarefa de construir em sua própria mente a personagem descrita por Edmar com riqueza de detalhes. Cada um construirá a sua, com direito a uma citação da Carta de Pero Vaz de Caminha.
 
Encerro, então, honrado, as postagens sobre o livro Sóis e Orvalhos, na certeza de que os versos de Edmar são um presente a ser partilhado, um tesouro que, quanto mais é dividido, mais é multiplicado.
 
 
"CEGO...DE AMOR
 
Um olho é vesgo e o outro esbugalhado.
O nariz mais parece um pimentão.
Uma verruga solitária, ao lado,
enfeita a grande boca de alçapão!
 
A gengiva, num tom arroxeado,
exibe, com orgulho, um só dentão.
No buraco do ouvido, mal lavado,
em se plantando nasce até feijão!
 
O volumoso colo bem moreno,
carrega um seio enorme e outro pequeno,
fato que a obriga andar meio "empenada"...
 
Parece ter na pança amolecida,
aquilo de que atrás é desprovida,
mas... como é linda a minha namorada!"
 
(Edmar Japiassú Maia)