sábado, 12 de setembro de 2009

Convivência poética


(arquivo pessoal - com Antonio Juraci Siqueira e Alonso Rocha, ambos de Belém)


Se tem uma coisa que me agrada, são os e-mails, scraps, cartas, telefonemas e encontros com os poetas e escritores que a vida, generosa, me fez conhecer. No post anterior, falei do Juraci, que conheci em Friburgo, em 2008, mas que já conhecia pelas trovas, pelo "Me leva, Brasil!", quadro que o Maurício Kubrusly, tinha no Fantástico e que virou livro (há uma crônica dedicada a ele no livro!). Pois bem, volta e meia o Juraci me manda alguma coisa. A última foi esse soneto que reproduzo aqui. Notem a convivência, no texto, de elementos da vida cotidiana do filósofo, poeta e artista marajoara, de um "homem da terra"... e da natureza, com os avanços tecnológicos na bagagem!

MARÉ VAZANTE

Plantado em frente ao rio vive o menino
olhando a vida a bubuiar nas águas
junto a detritos, jet skis, tralhotos
e a insensatez dos filhos de Tupã.

Esse menino de cabelos brancos
com pegadas do tempo sobre a face,
tem um olho retido no passado
e o outro atento às cores do amanhã.

Com talas de arumã tece o roteiro
do humano caminhar entre internautas,
matintas, burocratas, lobisomens

e em sítios virtuais cultiva sonhos,
planta amizades, sepulta ilusões
e espera, estoicamente, o anoitecer.

(Antonio Juraci Siqueira)

Antonio Juraci Siqueira


(imagem extraída do Blog do Boto - http://blogdobotojuraci.blogspot.com)


Poema pro Juraci
Conheci o Juraci
em Friburgo, certo dia...
E esse Juraci, que eu vi
é um bambambam na poesia:

Ele é boto no Pará
E escreve bem pra caramba!
Faz cordel, também, por lá
e em Filosofia é bamba!

No Fantástico, também,
já nos deu o ar da graça
encantou, como ninguém,
e mostrou ser boa praça.

É trovador de primeira,
e um ótimo sonetista.
Seu talento é cachoeira,...
que jorra da alma de artista!

(Sérgio Ferreira da Silva - 12.09.2009)

Não vou falar nada mais sobre ele... Acesse o blog do boto, no link acima e descubra esse artista tipicamente brasileiro, que VIVE a cultura, como poucos que conheço!

A benção, Boto Juraci!



Um pouco de ritmo

(arquivo pessoal - com Wanda de Paula Mourthé e Arlindo Tadeu Hagen - Nova Friburgo - 2009))

Súplica

No compasso das batidas,
o meu coração suplica,
pelo bem de nossas vidas:
Fi...ca! Fi...ca! Fi...ca! Fi...ca!

(Sérgio Ferreira da Silva)

O Dicionário Aurélio Eletrônico, entre outras definições, diz que ritmo é o "Movimento ou ruído que se repete, no tempo, a intervalos regulares, com acentos fortes e fracos..." e "...Num verso ou num poema, a distribuição de sons de modo que estes se repitam a intervalos regulares, ou a espaços sensíveis quanto à duração e à acentuação..."
Nessa definição, o ponto comum é a existência de "intervalos regulares" entre os "acentos".
Em poesia, seja ela rimada, metrificada ou livre (com versos de tamanhos diferentes e rima não obrigatória) há de haver um ritmo, que pode ser variável, ou não. É quase como dizer que há um pulso. Escolha um poema de seu agrado, ou qualquer um desse blog e verá que isso é verdade. Um pouco mais difícil de perceber é o ritmo na prosa. Ele também está lá e, muitas vezes, é responsável pela emoção do texto (Guimarães Rosa, por exemplo, foi um mestre dessa inserção, trabalhando a rima, inclusive, de forma imperceptível... coisa de gênio!).
Fiz a trova da epígrafe com algumas intenções veladas: a primeira delas foi transformar a palavra "fica", no quarto verso, em um pulso cardíaco, efeito que se garante pela repetição, principalmente pelo fato de que ela só tem duas sílabas poéticas (dois sons); a segunda foi marcar o ritmo da trova como um todo, na terceira sílaba poética, já que o segundo verso tinha uma segunda sílaba forte, na palavra "meu";... A terceira, foi uma referência a uma trova do Arlindo Tadeu Hagen, que está na postagem sobre as trovas de guardanapo, conhecidíssima em todo o Brasil e muito bonita, que termina com o verso "...fica pelo amor de Deus!", também marcado na terceira sílaba poética.

Sua benção, Tadeu!

Poetinha



O título é uma mentira! Melhor dizendo, "Poetinha" era o apelido de Vinicius de Moraes que foi poeta e, nas horas vagas, era Diplomata, Cantor, Compositor, e, principalmente, um "vivedor" de primeira linha, pois soube cantar e declamar a vida como ninguem. O primeiro poema que li, dele, foi o Soneto do Maior Amor. Gostei tanto que pintei uma camiseta com ele (mais ou menos aos 16 anos). Era engraçado: no ônibus, na rua, no cinema, invariavelmente, alguém me pedia para eu parar onde estava para que pudesse terminar a leitura... Hehehe! A idéia partiu de um conto do Drummond, chamado "calça literária", acredito, daquela coleção "Para gostar de ler". Vinicius escrevia simples, sem rebusques, de maneira direta, porém com a profundidade de um teórico, de um acadêmico. Daí a escolha de "Poética", para ilustrar a postagem. A imagem é um detalhe do site dele, que vale visitas constantes

Poética

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

Nova York, 1950


in Antologia Poética
in Poesia completa e prosa: "Nossa Senhora de Los Angeles"


(extraído do site www.viniciusdemoraes.com.br)