sábado, 9 de outubro de 2010

A bienal, os urubus e o vão.



Domingo passado fui, pela primeira vez nesta edição, à 29º Bienal de Arte de São Paulo. Tenho feito isso desde 1984 e costumo fazer duas ou três visitas em cada edição. Já virou um hábito. Ao longo dos anos, vi muitas obras interessantíssimas, frutos da criatividade, do talento, do protesto, e de tudo o que motiva os espíritos indomáveis dos artistas. Procuro não interpretar o que vejo, porque os sentidos se perdem em meio a tantas obras (na casa das centenas). Todo ano, no entanto, a mídia chama a atenção para alguma ou algumas obras específicas. Esse ano não foi diferente: a série Inimigos, do Gil Vicente e Bandeira Branca, de Nuno Ramos, são as vedetes. Na primeira, o artista faz autorretratos em que se apresenta apontando armas para personalidades da política, como a da foto abaixo...


O autor, como algoz de Mahmoud Ahmadinejad (Presidente do Irã)


Na segunda, Nuno Ramos trouxe urubus de cabeça amarela, do nordeste do país e deixou-os "livres" sobre estruturas de metal, dispostas no vão livre do pavilhão. Ambas as obras intrigam: a primeira, porque o artista externa o que parece ser o resultado de uma fúria coletiva, apontando armas para aqueles que personificam algum tipo de opressão ou ideologia perversa; na segunda, por estarmos acostumados a ver urubus em São Paulo, próximos a áreas verdes, rios poluídos, lixões, etc., mas, não para vê-los em um espaço restrito, por mais amplo que seja. A ligação que estabelecemos entre urubus e matéria em decomposição talvez seja o paralelo que o artista queira fazer entre um novo modelo de arte que propõe e aqueles conceitos que trazemos do senso comum. Será que, para ele, a arte, como conceito, é matéria morta? Talvez. Fiz alguns registros da obra Bandeira Branca e o que mais me agradou foi o da foto abaixo, em que os urubus aparentemente observam os visitantes.

Os urubus de cabeça amarela, do alto de sua estrutura, "urubuservando"...


Os urubus voltaram, ontem, para seu habitat, uma reserva florestal. Ficaram o vão, a estrutura, a Bienal e uma sensação estranha, pelo menos em mim, que talvez seja o mote desse poema, um tríptico, que não é um Hai Cai:


VÃO

Vão, os urubus,
ao vão da Bienal...
em vão!

(Sérgio Ferreira da Silva)


Detalhe: o Dicionário Aurélio traz 16 sentidos diferentes para a palavra "vão". Gosto de explorar isso. Outra coisa: achei o Gil Vicente um pouco violento! Hehehe!


"Vais virar comida de urubu!"