sábado, 30 de julho de 2011

Um varal digital

No livro de 1999, “Vertentes e evolução da literatura de cordel”, obra de Gonçalo Ferreira da Silva (belo sobrenome, o dele!), há um trecho dedicado às estrofes chamadas de Setilhas, conjunto de sete versos, com sete sílabas tônicas (redondilhas maiores). Neste trecho, o autor menciona que esta não era uma modalidade muito praticada nos primórdios da produção ”cordelística” que derivou dos cantadores nordestinos (que seguiam a tradição oral, por natureza).

Passados dez anos do registro de Silva, as ocorrências aumentaram, dada, inclusive a multiplicidade de meios (leia-se internet) para publicação de versos. A poesia, na era digital, encontrou campo fértil para multiplicar-se e passar por uma reinvenção, cujo verdadeiro alcance só será plenamente estudado, creio, em alguns anos. Assim, o cordel encontrou, no mundo digital, o seu “varal” mais extenso.

Este preâmbulo faz-se necessário para que eu possa comentar, aqui, o livro "Cantando ao som das setilhas”, presente recebido do irmão trovador Thalma Tavares.


Thalma é um dos sete autores do livro. Os demais são Antônio Augusto de Assis, Delcy Canalles, Prof. Garcia, Gislaine Canales, Arlindo Tadeu Hagen e José Lucas de Barros. Todos eles destacados trovadores brasileiros e que se propuseram a transformar em livro um “debate” que estabeleceram na Internet, por email.

A proposta é interessantíssima: o primeiro trovador compõe uma setilha e a envia por email ao segundo, que compõe a sua e a remete ao terceiro, até que a corrente chegue ao sétimo, que a envia ao primeiro, fazendo recomeçar o ciclo.

O esquema normal de rimas da setilha é o seguinte: (a) (b) (c) (b) (d) (d) (b) , ou seja, o primeiro e o terceiro versos não rimam; rimam entre si o segundo, quarto e sétimo, além do quinto e sexto. No livro, porém, a possibilidade de rimas foi ampliada, visto que os poetas, com genialidade, usaram a técnica do encadeamento (ou guirlanda, ou ciranda), fazendo o último verso da estrofe recebida rimar com o primeiro verso da próxima.

E conversaram, em versos, de 01 de Agosto a 22 de Novembro de 2009. Trinta e cinco estrofes cada um... E apresentaram-se, falaram do clima, saúde, política, morte, vida, anseios, esperanças, ou seja, fizeram o que melhor sabem: foram poetas.

Abaixo, transcrevo um trecho deste debate, ou “diálogo”, como mencionou a prefaciadora, Marina Bruna. Nas estrofes de n° 71 a 77, os poetas comentam a chegada da Primavera. Fica o registro!

"...71 - Zé Lucas

Minha vida em Pirangi
é fazer verso e sonhar,
conversar com as estrelas,
tomar banho de luar
e colher, durante o dia,
os retalhos de poesia
que a Lua deixa no mar.

72 - Gislaine

Por isto eu vivo a cantar,
na minha nova morada;
em meio ao mar e à montanha,
eu escuto a passarada,
que me acorda todo o dia
com seu chilrear de alegria,
com a voz do mar, mesclada.

73 - Prof. Garcia

Em cada manhã sagrada
pela mão do criador,
eu olho para o infinito
só vejo paz e esplendor;
não tem montanha nem mar,
mas minha vida é sonhar
fazendo versos de amor!

74 - Delcy

Como um voo de condor,
pelo céu das minhas rimas,
faço um passeio estonteante,
enfrentando quaisquer climas,
e, então, eu escrevo versos,
em poemas bem diversos
que, às vezes, dão obras primas!

75 - Assis

Se a natureza sublimas,
começa a alegrar-te então,
que ela está pronta e enfeitada
para a troca de estação.
É a grande festa das flores,
o espetáculo das cores,
lá fora e no coração.

76 - Tadeu

Quando o sol da inspiração
banha de luz e energia
no coração do poeta
por encanto, se inicia
um período multicor
e a estação,
seja qual for,
vira estação da Poesia!

77 - Thalma

Quanta luz, quanta energia
que a poesia libera
quando o poeta pressente
a vinda da primavera!...
E o poeta sentindo a brisa,
sonhos de paz realiza
e a inspiração prolifera..."