quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O menino que ouvia estrelas e se sonhava canoeiro: Antonio Juraci Siqueira

 
 
 
 
Este livro, cuja última página informa que foi impresso em papel Pollen bold, tem exatos 11 x 16 cm. É um livro de bolso, pois, para consultas frequentes.
 
Recebeu o Prêmio IAP (Instituto de Artes do Pará) de literatura de cordel.
 
Foi escrito por um artista, filósofo, professor de primeira grandeza e, ao mesmo tempo, por um ser mitológico, terror das mocinhas indefesas: o Boto Juraci, nascido na Flor do Lácio, como revela sua camiseta...
 
 
 
 
Que sorte a nossa! Somos contemporâneos de um cidadão que vive e transpira sua arte, além de generosamente partilhá-la conosco, dia após dia.
 
A apresentação/prefácio do cordel é de Dáguima Verônica de Oliveira, de Santa Juliana/MG, provavelmente uma de suas leitoras mais fiés. Justo. E ela nos diz...
 
"...Somente os grandes da história são capazes de ver beleza em todo sofrimento, porque sabem que somente a dor produz o brilho..."
 
E mais...
 
"...Já amava o Boto, agora amo também o Menino que sonhou ser canoeiro e o foi da forma mais brilhante possível: 'Navegante das estrelas!... Hoje aquele menino do mar traz o brilho da lua em forma de versos..."
 
E o cordel, de 44 estrofes é, mesmo, a revelação deste brilho:
 
"...II
A você, caro leitor,
destinei nobre papel:
arrume a mala do sonho
e embarque em lua-de-mel
na história desse menino
que transformou seu destino
num romance de cordel."
 
Em teoria literária, dir-se-ia que neste ponto o autor estabelece a instância narrativa e faz, ao mesmo tempo, metalinguagem. Nada mais correto e mais incompleto. Juraci, neste ponto, pega o leitor pela mão, como se dissesse "Venha, meu amigo/a, vamos sentir o que é poesia, e procure perceber a maneira como eu interpreto a vida. Como eu sinto."
 
E consegue, com um lirismo que fala à nossa alma...
 
 
"...IV
O seu pai, marajoara,
canoeiro de valor,
navegava águas caboclas
na corola de uma flor.
Um dia partiu ligeiro
para o céu. Foi ser proeiro
da nau de Nosso Senhor.
 
V
Sua mãe, verde esmeralda
talhada muiraquitã,
passava os dias cismando
em seu infinito afã...
Pensamentos de bubuia,
bordava sonhos tapuia
sobre o lençol da manhã..."
 
 
Aqui, nestas estrofes introdutórias, um estudioso reconheceria a alternância da estância narrativa, que passa de primeira para terceira pessoa e faz uso das metáforas e de elementos regionais e linguísticos, para trazer o leitor, delicadamente, para o universo marajoara, perpetuando, ao mesmo tempo sua cultura e história pessoal. Mas, há muito mais aqui: há um homem formado em filosofia, um literato que sabe a importância de sua história pessoal na sua forma de dizer as coisas, com o afastamento próprio daqueles que refletem sobre suas próprias origens e, sensíveis, reconhecem o que há de comum em sua trajetória com a daqueles mais humildes e que, geralmente, não tem voz, nem registram sua passagem pela vida.
 
 
Magistral e cuidadosamente, indica suas leituras formadoras, ao mesmo tempo em que, quase imperceptivelmente, traça um roteiro de leitura para aqueles que deseja despertar para a literatura de raiz e de qualidade, como faz nessas estrofes:
 
 
"VIII
Leu Pavão Misterioso,
Princesa da Pedra Fina,
O Valente Zé Garcia,
a Sorte de Jovelina,
Os Cabras de Lampião
As Proezas de Cancão,
Morte e Vida Severina...
 
IX
Leandro Gomes de Barros,
grande mestre cordelista,
Patativa do Assaré,
Zé Vicente, Evangelista
e outros nomes consagrados
que se aqui fossem juntados
não caberiam na lista..."
 
 
Ah, meu prezado Boto Juraci, João Cabral é leitura pra mais de metro! Patativa é a essência da simplicidade! Você sabe conduzir o leitor pela mão. Eu diria mais, porque, com versos como esses,...
 
"...XV
Em certa noite estrelada,
quando fitava o Cruzeiro,
viu uma estrela correr
em meio ao grande luzeiro.
Nesse instante, decidido,
depressa fez um pedido:
- Eu quero ser canoeiro!..."
 
 
Nós sabemos, hoje, que o desejo foi atendido. Juraci tornou-se canoeiro. Um navegante da poesia, um arraes de versos e estrofes. Senhor das correntes sonoras da palavra. Cidadão da Pátria Língua Portuguesa.
 
 
As citações param aqui. Há muito mais neste cordel. Há muito material editado por Juraci, e muita coisa no grande rio que é a Internet. De repente, vai que você encontra o boto em forma de gente, em forma de Juraci.
 
 
Eu discordo do boto, acho que ele, como as páginas de seu cordel premiado, não é bicho, não: é pólen! Não o Pollen Bold, material da página. Pólen que germina nos corações e mentes daqueles que entram em contato com seu texto, com sua poesia cativante, fácil e complexa ao mesmo tempo. Simples e refinada. Como a muiraquitã/mãe que ele carrega sempre no pescoço e no coração.
 
 
A benção, meu amigo!