sábado, 2 de fevereiro de 2013

Os "Sóis e Orvalhos", de Edmar Japiassu Maia

 



Sóis e orvalhos, de Edmar Japiassú Maia, foi publicado em 1996. A capa é de Frederico Ferreira Lima Neto e o prefácio de Sérgio Bernardo. Não preciso falar mais nada. Pronto, acabei a postagem. Não, não! É brincadeira.
 
Um poeta da grandeza de Edmar merece um prefácio do também destacado Sérgio Bernardo! E a prefação começa assim...
 
"Há muitas pessoas vivendo em estado de graça com a Poesia, amigo Drummond. Uma delas está no velho Estácio..."

E, mais adiante: "...Ali maneja a sua máquina criadora, e dali espalha aos quatro ventos o produto do seu labor diário: versos que nascem com o destino das asas, qual seja o de ascender... subir cada vez mais alto, e mais alto... até confundirem-se com o próprio sol, tamanha a sua luminosidade..."

Além de outras observações que beiram e transcendem a prosa poética, Bernardo arremata seu pensamento, ressaltando a qualidade da escrita do amigo...

"Um texto autêntico, que, faça-se justiça, parece vir pronto da alma para o papel."

Eu posso dizer mais sobre Edmar, mas não com o conhecimento de causa de Sérgio Bernardo. Posso dizer que nos meus primeiros contatos com a trova, Antonio de Oliveira, ao disponibilizar alguns de seus livros para leitura, chamou minha atenção para as trovas de Edmar, como exemplos a serem seguidos. Tarefa impossível, já que o grande trovador burila seu texto e promove a ampliação dos sentidos de um vocábulo com tanta facilidade que a nós, os mortais, só é possível admirá-lo. Digo mais: algumas das conversas que tive com Edmar tornaram possível meu aprimoramento e me indicaram alguns caminhos preciosos na escrita das trovas.

Vamos, então à transcrição de alguns trechos do verdadeiro pote de ouro que é o livro Sóis e Orvalhos, começando por um soneto...

 
CICLO VITAL
 
Sentado à beira da árvore frondosa
embalançada pelo vento ameno,
vejo cair, bailando sinuosa,
a folha ressecada no terreno...
 
À minha frente, inerte, o ser pequeno
repousa sobre a terra, tão bondosa,
que acompanhou seu crescimento pleno
e hoje o sepulta triste e caridosa...
 
Assim nós somos, entre sóis e orvalhos,
o retrato das folhas que, dos galhos,
desprendem-se na queda inconsequente...
 
E igual a simples folha ressequida,
guardamos os resquícios de uma vida,
para a eclosão de vidas... mais à frente!
 
(Edmar Japíassú Maia)
 
 
 
Na postagem anterior, onde discuti um soneto de Octávio Venturelli, procurei chamar a atenção para a técnica retórica do soneto em que um argumento é trazido, reforçado e a conclusão caminha para a apoteose do último verso, a chave de ouro.
 
A genialidade de Edmar neste soneto, especificamente, está no fato de que o argumento principal, que é desenvolvido ao longo dos quartetos, é preparado no primeiro terceto e só é revelado no terceto final. Fantástico!
 
Isto prova porque o soneto perpetua-se entre nós há sete séculos, pelo menos. E a escolha que fiz deste soneto em especial, se deve ao fato de que foi de um de seus versos que Edmar extraiu o título da obra.

A teoria literária conforma-se em algumas técnicas que possibilitam a análise de qualquer obra a partir do uso de paralelos que podem estar na biografia do autor, em sua localização geográfica e até na história geral e nos movimentos políticos e artísticos de sua época, por exemplo.

Não é isto que farei aqui, mesmo porque não tenho o distanciamento aconselhável do autor. Mas, posso dizer que este soneto é um daqueles que serão apreciados ao longo dos tempos, "mais à frente", como escreveu Edmar.

É uma lição de vida e sobre a vida, da efemeridade e, ao mesmo tempo, da perpetuação dela. É o que me diz o verso "Assim somos nós, entre sóis e orvalhos". Temos, em essência, o mesmo destino das folhas, entre os sóis e orvalhos, os dias e as noites: somos efêmeros, mas, ao mesmo tempo, deixamos um legado. No caso de poetas iluminados como Edmar, um legado de poesia, de uso além dos limites dos sentidos das palavras, usando os registros cotidianos como pano de fundo para a lapidação do texto. Notem que há um ar de crônica no soneto, ou seja, um registro temporal. Sua temática poderia, muito bem ser desenvolvida em prosa, nas páginas de um jornal diário, mas é perfeita como poesia, como soneto.

O livro de Edmar divide-se em capítulos. O primeiro, de onde extraí o soneto acima é GESTAÇÃO. Há mais capítulos, que trarei aqui em uma próxima postagem. No capítulo II, RODA VIVAEdmar traz poesias clássicas. Entre elas, destaco um trecho de...

"SAUDADE, MINHA SAUDADE...
 
 
...Minha saudade aporta em qualquer porto,
desde que exista amor em suas águas;
e a imensa carga de seu desconforto
é feita de tristezas e de mágoas.
 
Mas nem assim minha saudade enxerga
a luz brilhante de um farol que pisca
para avisar que amor a gente enverga,
e quem navega sem amor se arrisca.
 
Seu destino é singrar sem ter destino,
como singra um pirata noite e dia.
Não lhe importa se o sonho é pequenino,
ou se lhe falta a luz da estrela-guia..."


 
Ora, amigo/a, Edmar usa e abusa das metáforas, mas ele pode. É cônscio do poder e da força das figuras que emprega e é magistral na exploração dos sentidos dos vocábulos, como no verso "Seu destino é singrar sem ter destino". Um destino que ora é sina, outra é objetivo, daquele pirata que singra os mares "noite e dia". Olha aí o título do livro novamente: noite e dia, sóis e orvalhos!

A obra de Edmar é coerente em si mesma. Há um sentido, uma estética e, principalmente, uma poética própria, uma espécie de plano, neste poeta que residia no Estácio e que agora respira os ares e a poesia das montanhas na cidade de Nova Friburgo, a mesma onde reside o prefaciador. Terra que foi agraciada, após sofrer tanto, com o convívio diário com alguém que produz uma poesia que, segundo Bernardo, "...Tem brilho próprio, porquanto fruto de uma anímica vocação literária."

E eu, blogando, tenho sorte, muito mais do que muitos ensaístas e críticos literários, porque posso dizer diretamente ao autor: Obrigado, querido Edmar e sua benção dileto amigo!
 

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